Apelação Cível n. 2012.087561-7, de Lauro Müller
Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato
CIVIL. AÇÃO
COMINATÓRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO À SENTENÇA
ARGÜIDA EM CONTRARRAZÕES. INSUBSISTÊNCIA. OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 514,
II, DO CPC. PRELIMINAR AFASTADA. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. PLEITO INICIAL VISANDO A ORDEM DE TRANSFERÊNCIA DE DOMÍNIO PARA O NOME
DO COMPRADOR, BEM COMO SUA CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DAS MULTAS
APLICADAS E DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
PERANTE A RECEITA FEDERAL QUE FOI OBRIGADO A RESPONDER EM VIRTUDE DE O VEÍCULO
TER SIDO APREENDIDO QUANDO VOLTAVA DO PARAGUAI TRAZENDO 11.000 CARTEIRAS DE
CIGARRO. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. OBRIGAÇÃO DOS COMPRADORES DE TRANSFERIREM O AUTOMÓVEL PARA SEUS NOMES.
COMPROMISSO DESCUMPRIDO PELOS RÉUS, OS QUAIS RECEBERAM PROCURAÇÃO DO AUTOR PARA
TAL. CONDUTA IMPRUDENTE E ILÍCITA QUE NÃO SE COADUNA COM OS DIREITOS
FUNDAMENTAIS INSCULPIDOS NA CARTA MAGNA, EM ESPECIAL O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA. LESÃO À HONRA E À RESPEITABILIDADE DO AUTOR, QUE TEVE SEU
NOME ENVOLVIDO EM PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS
PERANTE A RECEITA FEDERAL E SECRETARIA DA FAZENDA ESTADUAL. DANO MORAL A
SER REPARADO. IRRESIGNAÇÃO EM RELAÇÃO AO QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM
R$ 8.000,00 (OITO MIL REAIS). MANUTENÇÃO. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA
RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, X, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DOS ARTS. 186 E 927 DO CÓDIGO
CIVIL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação
Cível
n. 2012.087561-7, da comarca de
Lauro Müller
(Vara
Única),
em que são apelantes e apelados Antonio Pacheco e outro, e Marcelo
Beltrame:
A Terceira
Câmara de Direito Civil
decidiu, por unanimidade, afastar a preliminar e, no mérito, negar provimento
aos recursos. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido
pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou a Exma. Sra.
Des.ª Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Florianópolis, 15 de janeiro de 2013.
Marcus Tulio Sartorato
Relator
RELATÓRIO
Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado à
fl. 80, por revelar com transparência o que existe nestes autos, e a ele
acrescenta-se que a MMª. Juíza Substituta, Doutora Tatiana Cunha Espezim,
julgou procedente o pedido, determinando que os réus efetuem a transferência do
registro de propriedade do veículo adquirido do autor, no prazo de trinta dias,
fixando ainda indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil
reais), devidamente atualizados.
Irresignados, os réus interpuseram
recurso de apelação às fls. 85/90, no qual afirmam que é do autor a obrigação
de efetivar a transferência do veículo. Além disso, aduzem que os danos morais
não foram comprovados. Com isso, requerem a reforma da sentença neste tópico
ou, subsidiariamente, a minoração do quantum.
O autor apresentou contrarrazões, pugnando, inicialmente, pelo não
conhecimento do recurso ante a violação ao art. 514, II do CPC, uma vez que os
apelantes teriam apenas reprisado a tese de defesa. No mérito, pugna pela
manutenção do veredicto (fls. 96/102). Ato contínuo, interpôs recurso adesivo,
pugnando pela majoração do quantum arbitrado a título de honorários
advocatícios (fls. 103/106).
VOTO
1. 1. Dispõe o art. 514 do
Código de Processo Civil:
Art. 514. A apelação, interposta por petição dirigida ao
juiz, conterá:
I - os nomes e a qualificação das partes;
II - os fundamentos de fato e de direito;
III - o pedido de nova decisão.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, em comentário
ao referido artigo, lecionam:
[...] O apelante deve dar as razões de fato e de direito,
pelas quais entende deva ser anulada ou reformada a sentença recorrida. Sem as
razões do inconformismo, o recurso não pode ser conhecido.
[...]
Juntamente com a fundamentação, o pedido de nova decisão
delimita o âmbito de devolutividade do recurso de apelação: só é devolvida ao
Tribunal ad quem a matéria efetivamente impugnada (tantum devolutum
quantum appellatum). Sem as razões e/ou pedido de nova decisão, não há
meios de se saber qual foi a matéria devolvida. Não pode haver apelação
genérica, assim como não se admite pedido genérico como regra. Assim como o
autor delimita o objeto litigioso (lide) na petição inicial (CPC 128), devendo
o juiz julgá-lo nos limites em foi deduzido (CPC 460), com o recurso de
apelação ocorre o mesmo fenômeno: o apelante delimita o recurso com as razões e
o pedido de nova decisão, não podendo o tribunal julgar além, aquém ou fora do
que foi pedido (in Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 9 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 739).
Sem grifos no original.
Logo, assim como é vedado pelo ordenamento processual a
contestação genérica (art. 302 do CPC), o recurso de apelação funda-se nesta
mesma premissa, na qual, caso pretenda a parte apelante a reanálise de questão
que lhe foi desfavorável, deverá expor de maneira clara e precisa seus
fundamentos, de fato e de direito, sob pena de não conhecimento do pedido.
No presente caso, a demanda foi julgada procedente, o que fez
com que os réus interpusessem o recurso de apelação renovando as teses de
defesa. Assim, ao contrário do que alega o autor, houve pedido de reforma do
julgado mediante impugnação total da sentença, uma vez que os apelantes
pretendem a reforma completa da decisão de primeiro grau.
Por isso, é certo que o recurso preenche os pressupostos para
análise, motivo pelo qual a preliminar arguida em contrarrazões deve ser
afastada.
2. Trata-se de ação cominatória de obrigação de fazer em
que o autor, vendedor do automóvel negociado entre as partes, requer que os
réus efetuem a transferência do registro de propriedade do veículo.
É incontroverso nos autos que o autor vendeu aos réus o
veículo VW Santana CS, e que estes não cumpriram com sua obrigação de
transferir a propriedade do bem. Tal fato gerou vários inconvenientes ao autor,
como multas aplicadas em seu nome (fls. 19/21) bem como o envolvimento de seu
nome em auto de infração e apreensão de veículo por transporte de mercadorias
vindas do Paraguai (fls. 28/30) e também procedimento administrativo da Receita
Federal (fls. 44/48) e Secretaria Estadual da Fazenda (fls. 50/52).
Todos os acontecimentos foram
gerados em virtude de os réus não terem transferido a propriedade do veículo a
eles ou ao novo comprador, fazendo uso da procuração outorgada pelo autor (fl.
18), conferindo poderes para tanto.
Prescreve o art. 397 do
Código Civil que \\\\\\\"o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no
seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor\\\\\\\".
Sobre o assunto,
ensina Maria Helena Diniz:
Ter-se-á mora ex re se a mora do devedor decorrer de
lei, resultando do próprio fato do descumprimento da obrigação, independendo de
provocação do credor, ante a aplicação da regra dies interpellat pro homine
(RT, 664:125, 589:142; 226:179 e 228:2000), ou seja, o termo interpela em lugar
do credor, pois a lex ou o dies assumiram o papel de intimação\\\\\\\" (Código
Civil anotado, Saraiva, 2003, 9ª ed., p. 305).
In casu, é
evidente a ocorrência da mora ex re. Esta é a dicção do art. 123, I e §
1º, do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado
de Registro de Veículo quando:
I - for transferida a propriedade;
[...]
§ 1º No caso de transferência de propriedade, o prazo para o
proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do
novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais
casos as providências deverão ser imediatas.
Sobre esse
assunto, esta Câmara já decidiu:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE
VEÍCULO – TRANSFERÊNCIA NO REGISTRO DO DETRAN – VENDAS SUCESSIVAS DO AUTOMÓVEL –
NULIDADE DA SENTENÇA – CERCEAMENTO DE DEFESA – TEMÁTICA RECHAÇADA – OBRIGAÇÃO
DE TRANSFERÊNCIA RECAÍDA AO COMPRADOR – EXEGESE DO ARTIGO 123, I E § 1º, DO
CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.
Nos casos de compra e venda de veículo, a transferência do
registro de propriedade, via de regra, cabe ao comprador, segundo dicção do
artigo 123, I e § 1º, do Código de Trânsito Brasileiro. (Apelação Cível n.
2007.058489-9, de Lages, Des. Fernando Carioni, com votos deste relator e da
Desª Salete Silva Sommariva).
Caracterizada, então, a mora dos
réus, uma vez que a norma do Código de Trânsito estabelece que cabe ao
comprador do veículo efetuar a transferência do registro em trinta dias, o que
não ocorreu no caso concreto.
3. A Carta Magna em seu art. 5º, X, estabelece que
\\\\\\\"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação\\\\\\\".
De igual sorte,
está previsto no art. 186 do atual Código Civil que: \\\\\\\"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito\\\\\\\".
Na mesma esteira e
no que toca à obrigação de reparar o dano, não se deve perder de vista o que
restou disposto no art. 927 do mesmo diploma legal: \\\\\\\"Aquele que,
por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.\\\\\\\"
Sobre o tema ato
ilícito, da doutrina, em especial dos ensinamentos de Maria Helena Diniz,
colhe-se que \\\\\\\"para que se configure o ato ilícito, será imprescindível
que haja: a) fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência; b) ocorrência de um dano patrimonial ou
moral; c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente\\\\\\\"
(Código Civil anotado, Saraiva, 1999, 5ª ed., p. 169).
Para Serpa Lopes,
responsabilidade \\\\\\\"significa a obrigação de reparar um prejuízo, seja
por decorrer de uma culpa ou de uma circunstância legal que a justifique, como
a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva\\\\\\\" (Curso de direito civil: fontes acontratuais
das obrigações: responsabilidade civil, Freitas Bastos, 2001, 5ª ed., v. 5,
p. 160).
Ensina José Aguiar
Dias que \\\\\\\"a culpa é a falta de diligência na observância da norma de
conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para
observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente
se detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua conduta.
[...] Consiste a imprudência da precipitação no procedimento inconsiderado,
sem cautela, em contradição com as normas do procedimento sensato. É a afoiteza
no agir, o desprezo das cautelas que devemos tomar em nossos atos\\\\\\\" (Da
responsabilidade civil, Forense, 1997, 10ª ed., v. I, p. 120). Neste
sentido, entende-se que \\\\\\\"o grande fundamento da culpa está na
previsibilidade. Pois ela consiste na conduta voluntária que produz um
resultado antijurídico, não querido, mas previsível ou excepcionalmente
previsto, de tal modo que, com a devida atenção, poderia ser evitado\\\\\\\"
(RT 415/242).
Afirma ainda
Carlos Alberto Bittar:
O ser humano, porque dotado de liberdade de escolha e de
discernimento, deve responder por seus atos. A liberdade e a racionalidade, que
compõe a sua essência, trazem-lhe, em contraponto, a responsabilidade por suas
ações ou omissões, no âmbito do direito, ou seja, a responsabilidade é
corolário da liberdade e da racionalidade.
Impõe-se-lhe, no plano jurídico, que responde pelos impulsos
(ou ausências de impulsos) dados no mundo exterior, sempre que estes atinjam a
esfera jurídica de outrem.
Isso significa que, em suas interações na sociedade, ao
alcançar direito de terceiro, ou ferir valores básicos da coletividade, o
agente deve arcar com as conseqüências, sem o que impossível seria a própria
vida em sociedade.
[...]
Com efeito, das ações que interessam ao direito, umas são
conformes, outras desconformes ao respectivo ordenamento, surgindo, daí, os
\\\\\\\'atos jurídicos\\\\\\\', de um lado, e os \\\\\\\'atos ilícitos\\\\\\\', de outro, estes produtores
apenas de obrigações para os agentes.
Entende-se, pois, que os ilícitos, ou seja, praticados com
desvio de conduta – em que o agente se afasta do comportamento médio do bonus
pater familias –
devem submeter o lesante à satisfação do dano causado a outrem.
Mas, em sua conceituação, ingressam diferentes elementos,
tendo-se por pacífico que apenas os atos resultantes de ação consciente podem
ser definidos como ilícitos. Portanto, à antijuridicidade deve-se juntar a
subjetividade, cumprindo perquirir-se a vontade do agente. A culpa lato sensu é,
nesse caso, o fundamento da responsabilidade.
Assim sendo, para que haja ato ilícito, necessária se faz a
conjugação dos seguintes fatores: a existência de uma ação; a violação da ordem
jurídica; a imputabilidade; a penetração na esfera de outrem.
Desse modo, deve haver um comportamento do agente, positivo
(ação) ou negativo (omissão), que, desrespeitando a ordem jurídica, cause
prejuízo a outrem, pela ofensa a bem ou a direito deste. Esse comportamento
(comissivo ou omissivo) deve ser imputável à consciência do agente, por dolo
(intenção) ou por culpa (negligência, imprudência, imperícia), contrariando,
seja um dever geral do ordenamento jurídico (delito civil), seja uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação ou
de contrato).
[...]
Deve, pois, o agente recompor o patrimônio (moral ou
econômico) do lesado, ressarcindo-lhe os prejuízos acarretados, à causa do seu
próprio, desde que represente a subjetividade do ilícito (Responsabilidade
civil na atividades perigosas, in Responsabilidade Civil – Doutrina e
Jurisprudência, 1988, p. 93-5).
No caso vertente, constitui
fato incontroverso que o nome do autor foi envolvido em procedimentos
administrativos perante a Receita Federal e a Secretaria da Fazenda, em razão
de o veículo ter sido apreendido quando vinha do Paraguai transportando
mercadorias ilícitas. Tal fato gerou os autos de infração nº 0920500/00037/07 e
nº 0920500/00036/07 do Ministério da Fazenda (fls. 28/30 e 34/35), bem como o
lançamento do tributo exarado pela Secretaria
da Fazenda Estadual em virtude do \\\\\\\"transporte e apreensão de 11.000
carteiras de cigarro de procedência estrangeira\\\\\\\" (fl. 37).
Portanto, não pairam dúvidas
acerca do ato ilícito passível de indenização por dano moral cometido pelos
réus, que por ato de extrema imprudência, não transferiu em trinta dias o
veículo que adquiriram do autor, gerando débitos oriundos de multas,
licenciamentos e IPVA, e também incômodos ao ver seu nome envolvido em
processos da Receita Federal e Secretaria
da Fazenda Estadual.
4. Configurado o dano
moral, nasce para o responsável a obrigação de repará-lo, independentemente de
comprovação dos prejuízos sofridos, uma vez que a restrição fiscal em si já
presume uma série de efeitos indesejáveis, como discriminação e desvalorização
da pessoa.
Acerca da natureza dos danos
morais, prelecionam Carlos Alberto Bittar e Cahali:
Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da
subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute
o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais
íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou
o da própria violação da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou
da consideração social) (Reparação civil por danos morais, RT, 1992, p. 41).
Diversamente, a sanção do dano moral não se resolve numa
indenização propriamente, já que indenização significa eliminação do prejuízo e
das suas conseqüências, o que não é possível quando se trata de dano
extrapatrimonial; a sua reparação se faz através de uma compensação, e não de
um ressarcimento; impondo ao ofensor a obrigação de pagamento de uma certa
quantia de dinheiro em favor do ofendido, ao mesmo tempo que agrava o
patrimônio daquele, proporciona a este uma reparação satisfativa (op. cit., p.
42).
Especificamente em relação às consequências ocasionadas pelo abalo de
crédito, lecionam Yussef Said Cahali e Fabrício Zamprogna Matielo:
O crédito, na conjuntura atual, representa um bem imaterial
que integra o patrimônio econômico e moral das pessoas, sejam elas comerciantes
ou não, profissionais ou não, de modo que a sua proteção não pode ficar
restrita àqueles que dele fazem uso em suas atividades especulativas; o abalo
da credibilidade molesta igualmente o particular, no que vê empenhada a sua
honorabilidade, a sua imagem, reduzindo o seu conceito perante os concidadãos;
o crédito (em sentido amplo) representa um cartão que estampa a nossa
personalidade recebidas pelas pessoas que conosco se relacionam na diuturnidade
da vida privada.
A reputação pessoal integra-se no direito da personalidade,
como atributo da honra do ser humano, merecendo, assim, a proteção das normas
penais e das leis civis reparatórias.
Sob a égide dessa proteção devida, acentua-se cada vez na
jurisprudência a condenação daqueles atos que molestam o conceito honrado da
pessoa, colocando em dúvida a sua probidade e seu crédito (Dano Moral, 1998, p.
358).
Os serviços de proteção ao crédito cadastram pessoas que
descumprem suas obrigações nesse particular, impossibilitando a concessão de
novas oportunidades. Em assim sendo, não fica difícil imaginar o transtorno
causado a alguém cujo nome foi injustamente colocado no rol dos inadimplentes,
ou em relação a quem não se fez a devida retirada do nome, após a regularização
da situação. Tal fato, além da inviabilização da obtenção de novos créditos,
traz abalo moral, face à consulta positiva nos arquivos do serviço e a conseqüente
desvalorização íntima ou objetiva da vítima.
[...]
A indenização por
danos morais, em casos dessa natureza, vem sendo admitida com força intensa nos
Tribunais nacionais, visando disciplinar o cadastramento de informações e a sua
regular utilização. Em conclusão, pode-se dizer que, havendo conduta censurável
e aplicação de meios que diminuam moralmente alguém, interna ou externamente,
provocando danos (desvalorização, desequilíbrio psicológico, discriminação
etc), o atingido pode valer-se do pedido judicial de responsabilização civil
por danos morais e materiais (Dano Moral, Dano Material e Reparação, Luzzato,
1995, p 133-134 – sem grifo no original).
Acompanha esse entendimento
Antônio Jeová dos Santos:
O direito à indenização, o injusto suscetível de ressarcimento,
nasce do próprio ato, do lançamento do nome da vítima no rol destinado a
inadimplentes. Nada de exigir prova acerca da angústia e humilhação que o
ofendido nem sempre se submete. O ilícito está no ato culposo de encaminhamento
do nome de alguém nos bancos de dados que visam à proteção do crédito. E é o
bastante para que haja indenização. Despiciendo se torna ao autor efetuar
ginástica intelectual na tentativa de mostrar que sofreu vexação em algum
estabelecimento comercial, quando foi efetuar compra e foi glosado porque seu
nome apareceu na \\\\\\\'lista negra\\\\\\\'. Este fato nem sempre ocorre e nem por isso, o
ofensor deixará de ser responsável pela injuricidade de seu ato (Dano Moral
Indenizável, Método, 2001, 3ª ed., p. 497).
Nesse sentido, colhe-se da
jurisprudência pátria:
Esta Corte já firmou entendimento que nos casos de inscrição
irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura in re
ipsa (STJ, AgReg no AREsp n. 55.177, de Minas Gerais, rel. Min. Sidnei
Beneti, j. 14-08-2012).
Configurado o dano moral, nasce para o responsável a
obrigação de repará-lo, independentemente de comprovação dos prejuízos
sofridos, uma vez que o abalo de crédito em si já presume uma série de efeitos
indesejáveis, como discriminação e desvalorização da pessoa (TJSC, Apelação
Cível n. 2012.069397-4, de Itajaí, deste relator, com votos vencedores dos
Exmos. Srs. Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta e Saul Steil, j. 23-10-2012).
Por atingir porção mais íntima do indivíduo, o abalo
decorrente da inscrição indevida do nome nos cadastros de proteção ao crédito
não necessita de comprovação do prejuízo, visto amoldar-se como dano in re
ipsa (TJSC, Apelação Cível n. 2012.056526-6, de Tubarão, rel. Des. Fernando
Carioni, com votos vencedores deste relator e da Exma. Sra. Des.ª Maria do
Rocio Luz Santa Ritta, j. 28-08-2012).
Assim, a indenização a título de danos morais deve ser arbitrada
de forma a compensar o abalo experimentado pelo autor, além do intuito de
alertar os ofensores a não reiterar a conduta lesiva. Entretanto, não existem
parâmetros legais objetivos para se fixar a reparação.
A doutrina e a jurisprudência
têm firmado entendimento de que: \\\\\\\"a indenização por danos morais deve
traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de
que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo.
Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos
interesses em conflito, refletindo-se, de modo expresso, no patrimônio do
lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos
efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente
significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante\\\\\\\"
(Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, RT, 1993, p.
220).
Conforme esclarece José
Raffaelli Santini, \\\\\\\"inexistindo critérios previstos por lei a
indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que, evidentemente,
ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação
jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem
produzidas. Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de
escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os
demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que
costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a
cada um o que é seu. [...] O que prepondera, tanto na doutrina, como na
jurisprudência, é o entendimento de que a fixação do dano moral deve ficar ao
prudente arbítrio do juiz\\\\\\\" (Dano moral: doutrina, jurisprudência e
prática, Agá Júris, 2000, p. 45).
Sobre o tema, tem decidido este
Sodalício que:
Para a fixação do quantum indenizatório, devem ser
observados alguns critérios, tais como a situação econômico-financeira e social
das partes litigantes, a intensidade do sofrimento impingido ao ofendido, o
dolo ou grau da culpa do responsável, tudo para não ensejar um enriquecimento
sem causa ou insatisfação de um, nem a impunidade ou a ruína do outro (TJSC,
Apelação Cível n. 2012.070924-6, de Trombudo Central, deste relator, com votos
vencedores dos Exmos. Srs. Des. Maria do
Rocio Luz Santa Ritta e Saul Steil, j. 23-10-2012).
O dano moral é o prejuízo de natureza não patrimonial que
afeta o estado anímico da vítima, seja relacionado à honra, à paz interior, à
liberdade, à imagem, à intimidade, à vida ou à incolumidade física e psíquica.
Assim, para que se encontre um valor significativo a compensar este estado,
deve o magistrado orientar-se por parâmetros ligados à proporcionalidade e à
razoabilidade, ou seja, deve analisar as condições financeiras das partes
envolvidas, as circunstâncias que geraram o dano e a amplitude do abalo experimentado,
a fim de encontrar um valor que não seja exorbitante o suficiente para gerar
enriquecimento ilícito, nem irrisório a ponto de dar azo à renitência delitiva
(TJSC, Apelação Cível n. 2012.072715-8, de Mafra, rel. Des. Fernando Carioni,
com votos vencedores deste Relator e da Exma. Sra. Des.ª Maria do Rocio Luz
Santa Ritta, j. 30-10-2012).
Nesse passo tem-se fixado o quantum indenizatório de
acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando em conta,
sobretudo: a malícia, o dolo ou o grau de culpa daquele que causou o dano; as
condições pessoais e econômicas das partes envolvidas; os antecedentes pessoais
de honorabilidade e confiabilidade do ofendido; a intensidade do sofrimento
psicológico; a finalidade admonitória da sanção, para que a prática do ato
ilícito não se repita; e o bom senso, para que a indenização não seja
extremamente gravosa, a ponto de gerar um enriquecimento sem causa ao ofendido,
nem irrisória, que não lhe propicie uma compensação para minimizar os efeitos
da violação ao bem jurídico (TJSC, Apelação Cível n. 2012.050604-2, de
Pomerode, rel. Des.ª Maria do Rocio Luz Santa Ritta, com votos vencedores deste
relator e do Exmo. Sr. Des. Saul Steil, j. 23-10-2012).
No caso em exame, o MM. Juiz a
quo fixou a indenização em R$ 8.000,00 (oito mil reais) que, atualizados
pelos índices da Corregedoria-Geral da Justiça desde a data da prolação da
sentença (08.06.2012), correspondem hoje, sem o cômputo dos juros, a valor
próximo a R$ 8.230,00 (oito mil, duzentos e trinta reais).
Portanto, considerando-se os
argumentos exposados, à vista da negligência dos réus e da capacidade
econômico-financeira presumível e demonstrada pelas partes (o autor é frentista
e os réus, por sua vez, são comerciantes e motorista), e com amparo no
princípio da persuasão racional previsto no art. 131 do Código de Processo
Civil, tem-se por razoável manter o quantum indenizatório tal qual
fixado.
5. Ante o exposto, vota-se no
sentido de afastar a preliminar e, no mérito, negar provimento aos recursos.